terça-feira, 7 de julho de 2015

Justiça Própria


“Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; e todos nós caímos como a folha, e as nossas culpas como um vento nos arrebatam.” Isaías 64:6.

“Então falou Jesus à multidão e a Seus discípulos, dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Observai, pois, e praticai tudo que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não praticam; pois atam fardos pesados e difíceis de suportar e os põem aos ombros e homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los; e fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam a franja de seus vestidos, e amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas, e as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens – rabi, rabi. Vós, porém, não queirais ser chamados rabis, porque um só é o vosso mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos. E a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso pai, o qual está nos céus. Nem vos chameis mestres, por que um só é o vosso mestre, que é o Cristo. Porém o maior entre vós será vosso servo. E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado. Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que fechais aos homens o reino dos céus: e nem vós entrais nem deixais entrar aos que estão entrando. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que devorais as casas das viúvas, sob pretexto de prolongadas orações; por isso sofrereis mais rigoroso juízo. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que percorreis o mar e aterra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós. Ai de vós, condutores cegos! Pois que dizeis: Qualquer que jurar pelo  templo, isso é nada: Mas o que jurar pelo ouro do templo, esse é devedor. Insensatos e cegos! Pois qual é maior: O ouro, ou o templo, que santifica o ouro? E aquele que jurar pelo altar isso nada é, mas aquele
que jurar pela oferta que está sobre o altar, esse é devedor. Insensatos e cegos! Pois qual é maior: A oferta, ou o altar, que santifica a oferta? Portanto, o que jurar pelo altar jura por ele e por tudo o que sobre ele está. E o que jurar pelo templo jura por ele e por Aquele que nele habita; e o que jurar pelo céu jura pelo trono de Deus e por aquele que está assentado nele. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas. Condutores cegos! Que coais um mosquito e engolis um camelo. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que limpais o exterior de copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de iniquidade. Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo.” Mateus 23: 1-26.

Justiça própria: Acreditando em nossa própria virtude: Convencimento da superioridade moral das crenças e ações pessoais, usualmente a um ponto irritante. 



Senhor, eu atribuo a Tua graça,

E não ao acaso, como outros fazem,

Que Eu nasci de uma raça cristã,

E não um pagão, ou um judeu.

Isaac Watts  (1674 - 1748)



“Tudo que possamos fazer de nós mesmos está poluído pelo pecado.” COL 311.

“Os judeus que Jesus expulsara do templo, pretendiam ser filhos de Abraão, mas fugiram da presença do Salvador, porque não podiam suportar a glória de Deus que nEle se manifestava. Revelaram assim não se achar, pela graça de Deus, habilitados a participar dos sagrados cultos do templo. Eram zelosos em manter uma aparência de piedade, mas negligenciavam a santidade do coração. Ao passo que eram zelosos defensores da letra da lei, violavam-lhe constantemente o espírito. Sua grande necessidade era aquela mesma mudança que Cristo estivera explicando a Nicodemos - um novo nascimento moral, uma limpeza do pecado e renovação do conhecimento e da santidade.” DA 173.6.

“O profeta Oséias indicara o que constitui a própria essência do farisaísmo, nas palavras: ‘Israel é uma videira estéril; dá fruto para si mesmo.’ (Osé. 10:1). Versão Trinitariana. Em seu professo serviço a Deus, os judeus estavam na verdade trabalhando para o próprio eu. Sua justiça era o fruto de seus próprios esforços para guardar a lei, segundo suas próprias ideias, e para seu benefício pessoal, egoísta. Daí o não poder ser ela melhor do que eles mesmos. Em seu esforço por se tornarem santos, procuravam tirar uma coisa pura de outra imunda. A lei de Deus é santa como Ele próprio é santo, perfeita como Ele é perfeito. Ela apresenta aos homens a justiça de Deus. Impossível é ao homem, de si mesmo, guardar essa lei; pois a natureza do homem é depravada, deformada, e inteiramente diversa do caráter de Deus. As obras do coração egoísta são como coisa imunda; e ‘todas as nossas justiças, como trapo da imundícia’. (Isa. 64:6).

“Embora a lei seja santa, os judeus não podiam atingir a justiça por seus próprios esforços para guardar a lei.” MB 54.1.

“Diz Paulo que ‘segundo a justiça que há na lei" no que respeita aos atos exteriores - ele era "irrepreensível.’ (Filip. 3:6). Quando, porém, chegou a discernir o caráter espiritual da lei, reconheceu-se pecador. Julgado pela letra da lei, segundo os homens a aplicam à vida exterior, havia-se afastado do pecado; mas quando olhou as profundezas dos santos preceitos e se viu a si próprio como o via Deus, prostrou-se, humilde, e confessou a culpa. Diz ele: ‘Eu, nalgum tempo, vivia sem lei, mas, vindo o mandamento, reviveu o pecado, e eu morri.’ (Rom. 7:9). Quando viu a natureza espiritual da lei, o pecado se lhe apresentou em toda a sua verdadeira hediondez e desvaneceu-se lhe o amor-próprio.”  SC 29, 30.

“A religião do fariseu não toca a pessoa. Não atenta para o caráter semelhante ao de Deus, nem para o coração cheio de amor e misericórdia. Dá-se por contente com uma religião que só se refere à vida exterior. Sua justiça lhe é própria - é o fruto de suas próprias obras. E é julgada por um padrão humano.”  COL 151.1.

Nenhum homem pode de si mesmo entender seus erros. ‘Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?’ (Jer. 17:9). Os lábios podem exprimir uma pobreza de espírito que o coração não reconhece. Ao passo que fala a Deus de pobreza de espírito, pode o coração ensoberbecer-se com a presunção de sua humildade superior e exaltada justiça. Só de um modo o verdadeiro conhecimento do próprio eu pode ser alcançado. Precisamos olhar a Cristo. O desconhecimento dEle é que dá aos homens uma tão alta ideia de sua própria justiça. Ao contemplarmos Sua pureza e excelência, veremos nossa fraqueza, pobreza e defeitos, como realmente são. Ver-nos-emos perdidos e sem esperança, vestidos com o manto da justiça própria, como qualquer pecador. Veremos que se afinal formos salvos, não será por nossa própria bondade, mas pela graça infinita de Deus.”  COL 159.1.

“A justiça própria conduz os homens não somente a representar a Deus falsamente, como os torna impiedosos e críticos para com seus irmãos” COL 210.

“Justiça própria não é verdadeira justiça, e aqueles que a ela se apegam terão que sofrer as consequências de uma decepção fatal. Muitos hoje em dia presumem obedecer aos mandamentos de Deus, todavia não possuem no coração o amor de Deus para transmiti-lo a outros.” COL 279.

“[Cristo] viu que o espírito de justiça própria seria a causa da debilidade e maldição da igreja. Os homens pensariam que poderiam fazer alguma coisa para obter lugar no reino dos Céus. Imaginariam que quando tivessem feito certos progressos o Senhor viria para auxiliá-los. Assim haveria abundância do próprio eu e pouco de Jesus. Muitos que houvessem progredido um pouco se jactariam e considerariam superiores a outros. Seriam ávidos de lisonjas, invejosos se não fossem tidos por mais importantes. Cristo procurou proteger Seus discípulos contra este perigo.”  COL 400, 401.

“Justiça própria é o perigo desta época; ela separa a alma de Cristo. Os que confiam em sua própria justiça não podem compreender como a salvação advém por meio de Cristo. Chamam o pecado de justiça, e a justiça de pecado.”  FW 96.3.

“A vaidade e a presunção estão matando a vida espiritual. O eu é exaltado; fala-se sobre o eu. Oh! se morresse esse eu! ‘Cada dia morro’, disse o apóstolo Paulo. Quando esta orgulhosa, jactanciosa presunção, e esta complacente justiça própria permeiam a alma, não há lugar para Jesus. É-Lhe dado um lugar inferior, ao passo que o eu incha em importância, e enche todo o templo da alma. Eis a razão por que o Senhor pode fazer tão pouco por nós. Cooperasse Ele com os nossos esforços, e o instrumento atribuiria toda a glória à própria esperteza, sabedoria, habilidade, e a pessoa se felicitaria a si mesma, como fez o fariseu: ‘Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo.’ Quando o eu estiver escondido em Cristo, não será tantas vezes trazido à tona.” LHU 310.4.


“Os fariseus eram muito estritos em relação a observâncias exteriores de formas e costumes, e estavam cheios de justiça-própria orgulhosa, mundana e hipócrita.”  5BC 1077.4.

“Justiça-própria é uma maldição, um adorno humano, que Satanás usa para sua glória. Aqueles que adornam a alma com o louvor-próprio e a lisonja preparam o caminho para sete outros espíritos muitos piores do que o primeiro. Na própria aceitação da verdade, estas almas enganam a si mesmas. Estão construindo sobre uma fundação de justiça-própria. Os louvores da congregação podem ser oferecidos a Deus com uma sucessão de cerimônias, mas se são oferecidos em justiça-própria, Deus não é honrado por eles. O Senhor declara: ‘Eu declararei tua justiça e tuas obras; pois eles te não serão proveitosos.’ A despeito de toda sua exibição, de sua ornamentada habitação, Satanás vem com uma tropa de anjos maus e toma seu espaço na alma, para ajudar no engano.” (MS 78, 1899).  5BC 1093.9.

“Hoje é o grande dia da expiação, e nosso advogado está de pé diante do Pai, pleiteando por nós como intercessor. Em vez de nos envolvermos com as vestes de nossa própria justiça, devemos ser encontrados diariamente humilhando-nos diante de Deus, confessando nossos próprios pecados individuais, procurando o perdão de nossas transgressões, e cooperando com Cristo na obra de preparação de nossas almas para refletir a imagem divina. A menos que entremos no santuário celestial, e nos unamos a Cristo em operar nossa própria salvação com temor e tremor, seremos pesados nas balanças  do santuário, e achados em falta. (MS 168, 1898).”  7BC 933, 934.

“O esforço de obter a salvação pelas próprias obras leva inevitavelmente os homens a amontoar exigências como uma barreira contra o pecado. Pois, vendo que falham no observar a lei, imaginam regras e regulamentos eles próprios, para se obrigarem a obedecer. Tudo isto desvia a mente, de Deus para si mesmos. Seu amor extingue-se lhes no coração, e com ele perece o amor para com seus semelhantes. Um sistema de invenção humana, com suas múltiplas exigências, induz seus adeptos a julgar a todos quantos faltem à prescrita norma humana. A atmosfera de crítica egoísta e estreita, sufoca as nobres e generosas emoções, fazendo com que os homens se tornem egocêntricos juízes e mesquinhos espias.

“Desta classe eram os fariseus. Saíam dos seus cultos religiosos, não humilhados com o senso da própria fraqueza, não agradecidos pelos grandes privilégios a eles concedidos por Deus. Saíam cheios de orgulho espiritual, e seu tema era: "Eu mesmo, meus sentimentos, meus conhecimentos, meus caminhos." Suas próprias realizações tornavam-se a norma pela qual julgavam os outros. Revestindo-se das vestes da própria dignidade, arrogavam-se a cadeira de juízes para criticar e condenar.” MB 123.

Não podemos concluir sem mencionar a parábola do Fariseu e do Publicano, registrada por Lucas, no capítulo 18:

“E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, a orar; um fariseu e o outro publicano. O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças Te dou porque não sou como o demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana e dou o dízimo de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado.” Lucas 18:9-14.



Aqui temos os comentários de Mateus Henry:


“O objetivo desta parábola foi, semelhantemente, pré-estabelecido, sendo-nos dito (Lucas 18:9) quem eram os que estavam sendo comparados, e a quem ela foi dirigida. Com esta parábola, Ele planejava produzir convicção em alguns que criam de si mesmos ser justos, desprezando a outros.  Eles eram assim, pois tinham:

1. Elevado conceito de si mesmos, de sua própria bondade; imaginavam-se tão santos quanto deviam ser, e mais santos que seus semelhantes, a ponto de poder servir de exemplo para todos eles. Mas isto não é tudo.

2. Eles confiavam em si mesmos diante de Deus. Não apenas mantinham elevado conceito de sua própria justiça, mas dependiam de seu próprio mérito, e quando se dirigiam a Deus com este argumento, confiavam em si mesmos como sendo justos, imaginando haver tornado Deus seu devedor, como se pudessem demandar qualquer coisa dEle.

3. Eles desprezavam a outros, olhando-os com desdém, como indignos de se compararem com eles próprios. Agora Cristo, por meio desta parábola, revela o tamanho de sua insensatez, pela qual obstruíam sua aceitação por parte de Deus. Chama-se a esta ilustração parábola, mas trata-se, mais propriamente, de uma descrição dos diferentes temperamentos e linguagens dos que orgulhosamente justificam-se a si mesmos, e dos que humilham e condenam a outros, e suas diferentes condições diante de Deus. É uma questão real do dia a dia. 

Ambos aqui dirigem-se à oração ao mesmo tempo e ao mesmo lugar (Lucas 18:10). Dois homens subiram ao templo (pois o templo estava construído sobre um monte) a orar. Não era hora da oração pública, mas eles foram ali para oferecer sua devoção pessoal, como era costume das pessoas boas naquele tempo, quando o templo não era apenas o lugar, mas o meio de adoração, e Deus havia prometido, em resposta ao pedido de Salomão que, qualquer oração que fosse proferida da devida maneira naquela casa ou na direção dela, certamente seria aceita. Cristo é nosso Templo, e para Ele devemos dirigir o olhar como nosso acesso a Deus.  O fariseu e o publicano foram ambos ao templo para orar. Percebam que entre os adoradores de Deus, na igreja visível, há uma mescla de bons e maus, alguns que são aceitos por Deus, e outros que não são. Tem sido assim desde Caim e Abel, que trouxeram suas ofertas ao mesmo altar. O fariseu, orgulhoso que era, exaltava-se em sua oração; o publicano, humilde que era, considerava-se excluído do benefício da mesma. Mas temos razão para imaginar que eles tinham diferentes pontos de vista. 1. O fariseu foi ao templo para orar porque era um lugar público, mais público do que as esquinas das ruas, e por que haveria muitos olhares sobre ele, que aplaudiriam sua devoção, que talvez fosse maior do que a esperada. O caráter que Cristo atribuiu ao fariseu, que fazia todas as suas obras para serem vistas pelos homens, nos dá ocasião para tal suspeita. Observe: Os hipócritas mantêm as realizações externas de religião somente para assegurar ou obter credibilidade. Há muitos a quem vemos todos os dias no templo, os quais, e isto é terrível, não veremos naquele grande dia à mão direita de Cristo. 2. O publicano foi ao templo pois este lugar era apontado como casa de oração para todos os povos (Isaías 56:7). O fariseu veio ao templo para uma homenagem,  o publicano com um ideal; o fariseu para externar sua aparência, e o publicano, o seu pedido. Agora Deus vê com que disposição e desígnio nós nos achegamos a Ele através das ordenanças sagradas, e nos julgará de acordo com isto. 


Eis como o fariseu se dirige a Deus (não posso chamar isso de oração): Estando em pé, orava consigo desta maneira (Lucas 18:11, 12): de pé por si mesmo, ele orava assim, pode-se ler; estava concentrado totalmente em si mesmo, nada tinha em vista além do próprio eu, sua própria oração;  não a glória de Deus; ou, de pé em algum lugar bem visível, onde podia distinguir-se; ou ainda, revestindo-se de alto grau de dignidade e formalidade, ele orou daquela forma. Agora que está aqui, propõe-se dizer e  mostrar: 

1. Que ele confiava em si mesmo, crendo que era justo. Afirmou muitas coisas boas a respeito de si mesmo, que supunha ser verdadeiras. Achava-se livre de pecados grosseiros e escandalosos; não era um usurário, nem um extorsionário, não oprimia seus devedores ou arrendatários, mas era razoável e bom com todos os que dependiam dele. Ele não era injusto em nenhum de seus negócios; não fazia mal a ninguém; podia dizer, como Samuel:  Algum boi ou asno tomei para mim? Não era adúltero, mas havia possuído seu vaso em santificação e honra. E isto não era tudo. Ele jejuava duas vezes na semana, como um ato tanto de temperança como de devoção. Os fariseus e seus seguidores jejuavam duas vezes na semana: Segunda e quinta-feira. Assim ele glorificava a Deus com seu corpo. E não era tudo: Ele dava o dízimo de tudo o que possuía, de acordo com a lei, e assim glorificava a Deus com suas posses terrenas. Tudo isto era muito bom e digno de comemoração. Em vista disso, devia ser miserável a condição daquele que estivesse abaixo do nível de justiça deste fariseu, até por que ele não foi aceito, e por que não? (1)Ele deu graças a Deus por tudo isto, o que, embora em si mesmo fosse uma coisa boa, parecia não passar de mera formalidade. Ele não diz: Pela graça de Deus eu sou o que sou, com fez Paulo, mas trata a questão com superficialidade: Deus, eu Te agradeço, o que  não representa mais do que uma plausível introdução de orgulhosa e vangloriosa ostentação de si mesmo.  (2)Ele faz assim apologia de si mesmo, demorando-se com prazer neste assunto, como se sua missão no templo fosse contar ao Deus Todo-Poderoso quão bom ele era.  Estava pronto para dizer, como aqueles hipócritas sobre os quais lemos (Isaías 58:3): Por que jejuamos nós e Tu não atentas para isso? (3) Ele acreditava que tudo isso constituísse justiça, e não apenas menciona tais coisas, mas pleiteia através delas, como se por meio delas obtivesse mérito das mãos de Deus, fazendo dEle seu devedor. (4) Aqui não há apenas uma palavra de oração em tudo o que diz. Ele foi ao templo para orar, mas, esqueceu este objetivo. Achava-se tão cheio de si mesmo e de sua própria bondade, que imaginava não necessitar de nada, nem do favor, nem da graça de Deus, os quais, nos parece, não valorizava para pedir.

2. Que ele desprezava a outros. (1) Ele pensava que todos os demais, com exceção dele, eram desprezíveis: Graças te dou por que não sou como os demais homens. Ele fala de modo indefinido, como se fosse melhor do que qualquer outro. Podemos ter razão de agradecimento a Deus por não sermos como alguns homens, notoriamente vis e perversos. Mas falar de modo aleatório, como se somente nós fossemos bons, e todos ao nosso redor fossem reprováveis, é julgar indiscriminadamente. (2) Ele pensava principalmente no publicano, que tinha deixado para trás, provavelmente, na corte dos gentios, e em cuja companhia ele casualmente se achou quando veio ao templo. Ele sabia que se tratava de um publicano, e muito severamente concluiu que era extorsionário, injusto, e tudo mais que é desprezível. Suponhamos que o publicano tivesse sido tudo isso, e que ele o tivesse mesmo conhecido, qual era sua ocupação quando soube dessas coisas? Não poderia proferir suas orações (como tudo que os fariseus faziam) sem reprovação contra seu próximo? Ou fazia isto parte do seu Deus eu te agradeço?  Ele não parecia tão satisfeito com a maldade do publicano como com sua própria bondade?  Não pode existir mais clara evidência do que esta, de que não havia aqui aspiração por caridade ou humildade, mas prevaleciam o orgulho e a malícia.     


Agora consideremos o modo como o publicano se dirigiu a Deus, que foi o reverso do Fariseu, tão cheio de humildade e humilhação estava aquele, enquanto este extravasava orgulho e ostentação. Quão cheio de arrependimento pelo pecado e anelo por Deus estava o publicano, em contraste com a confiança em si mesmo, justiça própria e suficiência do fariseu.

1. Ele expressou seu arrependimento e humildade em relação ao que fizera; e seu gesto, ao se dirigir a suas devoções, exprimia grande seriedade e humildade,  a roupagem propícia para um coração penitente, alquebrado e obediente. (1) Ele se pôs de longe. O fariseu estava de pé, tão próximo quanto possível das pessoas, na parte final e mais elevada do pátio; o publicano manteve-se à distância, sob o senso de sua indignidade em se chegar mais perto de Deus, e talvez com receio de ofender o fariseu, que olhava com desprezo para ele, e atrapalhar sua devoção.  Por isso reconhecia que Deus poderia com justiça afastá-lo de Si, e lançá-lo num estado de eterna separação dELe, e que seria um grande favor da parte de Deus parecer bem deixá-lo ficar próximo.  (2) Ele não ousava levantar seus olhos aos céus, muito menos suas mãos, como era usual na oração. Ele elevou seu coração ao Deus dos céus num santo desejo, mas, em virtude da forte vergonha e humilhação, não elevou seus olhos em santa comunhão e coragem. Suas iniquidades estavam sobre sua cabeça como um pesado fardo, tanto que ele não era capaz de levantá-la (salmos 40:12). O abatimento nos seus olhos indicava o abatimento de sua mente à consciência do pecado. (3) Ele batia no seu peito como sinal de santa indignação contra si mesmo por causa do pecado:  “Assim eu sofrerei esta iniquidade em meu coração, a fonte envenenada que alimenta todos as torrentes do pecado, ao poder chegar a ela.” O coração do pecador primeiro se pune numa penitência de repreensão (2 Samuel 24:10) O coração de Davi doeu nele.  Pecador, o que tens feito?  E então ele bate em seu coração com penitente remorso: Que desprezível homem que sou. È dito de Efraim que ele bateu na sua coxa (Jeremias 31:19).  Grandes pranteadores são representados como batendo em seu peito (Naum 2:7). 

2. Ele exprimia isso através do que dizia. Sua oração foi curta. Temeroso e envergonhado, evitada falar muito; suspiros e gemidos acompanhavam suas palavras. Mas o que ele disse foi com um objetivo: Ó Deus, sê propício a mim pecador. E bendito seja Deus por termos esta oração como modelo de oração respondida, e por estarmos certos de que aquele que fez esta petição desceu para casa justificado. E então, se nós orarmos assim, como ele fez, através de Jesus Cristo: ‘Ó Deus, sê propício a mim pecador’, o Deus de infinita misericórdia será propício a mim, pois, se ele não fosse,  eu estaria para sempre arruinado, para sempre miserável. Deus, sê misericordioso comigo, pois eu tenho sido cruel comigo. (1) Ele próprio era um pecador por natureza, por prática, e culpado diante de Deus. Eis que eu sou vil;  que direi a Ele?  O fariseu não admitia ser um pecador; nenhum de seus companheiros poderia acusá-lo, e ele não via razão de se condenar, por qualquer coisa errada; ele está puro, ele está limpo de pecado. Porém o publicano não atribuiu a si mesmo outra condição que não a de pecador, um réu confesso nas barras do tribunal de Deus. (2) Ele não dependia de outra coisa que não a misericórdia de Deus, sobre a qual, unicamente, se lançava. O fariseu insistia no mérito de seus jejuns e de seus dízimos; mas o pobre publicano afastava todo pensamento de mérito e voltava-se para a misericórdia como sua cidade de refúgio, apegando-se às pontas do altar.  ‘A justiça me condena, nada me salvará senão a misericórdia, a misericórdia.’ (3) Ele ora fervorosamente pela graça da misericórdia: ‘Ó Deus, sê misericordioso, sê propício a mim, perdoa meus pecados, reconcilia-Te comigo, toma-me em Teu favor, recebe-me graciosamente, queira amar-me gratuitamente.’ Ele vem como um mendigo pedindo esmola, quando está prestes a perecer de fome. Provavelmente ele tenha repetido esta oração com renovado sentimento, e talvez tenha dito mais coisas com o mesmo significado, tendo feito confissão particular de seus pecados, e citado especificamente a graça de que carecia, esperando tudo de Deus. Ainda assim, eis o fardo nas palavras: ‘Ó Deus, sê misericordioso para comigo, pecador.’


Eis aqui a aceitação do publicano diante de Deus. Nós vimos quão diferentemente os dois personagens da parábola dirigiram-se a Deus; agora é importante investigar como eles se saíram. Há alguns que elogiariam o fariseu, pelos quais ele voltaria para sua casa aplaudido, que olhariam com desprezo para o vil e queixoso publicano  Mas nosso Senhor Jesus, diante de Quem todos os corações estão abertos, todos os desejos são conhecidos e para quem nenhum segredo é oculto, que está perfeitamente familiarizado com todas as coisas nas cortes do céu, assegura-nos que este pobre, penitente e alquebrado publicano, voltou para casa justificado, e não o outro. O fariseu imaginava que, se apenas um deles tivesse de ser justificado, certamente ele seria preferido ao publicano. Mas ‘não’, disse Cristo, ‘Eu lhe digo, Eu afirmo com a máxima certeza; declaro a ti com a maior preocupação: O publicano é o escolhido, e não o fariseu.’ O orgulhoso fariseu saiu rejeitado por Deus; suas ações de graças estavam tão longe de ser aceitas, que chegavam a ser abominação; ele não é justificado, seus pecados não são perdoados, nem é liberto da condenação. Não é aceito como justo diante de Deus, por que ele é justo aos seus próprios olhos; mas o publicano, ao se dirigir humildemente ao céu, obtém a remissão de seus pecados, e aquele que o fariseu não colocaria nem entre os cães de seu rebanho, Deus coloca com os filhos de Sua família. A razão apresentada para isso é por que para Deus é glória resistir ao orgulhoso,  mas Ele dá graça ao humilde. 1. O homem orgulhoso, que se exalta a si mesmo, é rival de Deus, e certamente será humilhado. Deus, em Seu discurso a Jó, apela para o prova de que Ele é Deus, que olha para a todo soberbo, e o humilha (Jó 40:12). O homem humilde, que se humilha a si mesmo, está em sujeição a Deus, e será exaltado. Deus tem promoções reservadas para aqueles que as tomarem como favor, não para os que as procuram como débito. Ele será exaltado ao amor de Deus, e à comunhão com Ele, será exaltado à satisfação consigo mesmo, e exaltado afinal tão alto como o céu. Veja como a punição atinge o pecado:  Aquele que se exalta será humilhado. Veja como a recompensa é dada ao submisso: Aquele que se humilha será exaltado. Veja também o poder da graça de Deus em tirar o bem do mal: o publicano havia sido um grande pecador, e da grandeza de seu pecado saiu a grandeza de seu arrependimento; do comedor saiu comida. Perceba que, ao contrário, o poder da malícia de Satanás tira o mal do bem. Era bom que o fariseu não fosse nenhum extorsionário, nenhum injusto, mas o demônio o tornou orgulhoso disto, para sua ruína.

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